Exposição | 21 de Março a 9 de Maio de 2025 | 119 Marvila Studios
fotos do espaço por Fábio Cunha
Ontem arranquei 2 dentes, certamente quiseram fugir ou terminar a relação comigo.
Bragança, 22 de Setembro de 2023
Parti da capital. Fui-me. Lisboa, a minha querida Lisboa ficou para trás. Desencantada, sobreespezinhada, orientada com lifts de silicone e betão, Lisboa começou a cheirar mais a bagaço de azeitona do que ao seu perfume de marca, o “Cheira Bem”. Atraindo novas bactérias, Lisboa vai lentamente expulsando o seu antigo microbioma deste seu novo corpo. Ao contrário de muitos, tive a sorte de não ser espirrada e sair projectada pelas fossas nasais (monumentais) desta cidade. Fiz as malas com calma e encaixotei 8 anos em 20m3 de uma carrinha.
Há dias alguém perguntou: “para onde se foge, quando se é o sítio para onde se foge?
Bragança, 21 e Fevereiro, 2025
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Assentei atrás dos montes. Sem casa, mas com tecto, respirando ar que penteia serras. Assentei nesta beleza de montes, florestas de carvalhos pontuadas por soutos, ribeiras e riachos como nos contos de fada que lia. Os mosquitos entram-nos (literalmente) pelos olhos e há criaturas e bichos de todas as cores e feitios, ou como se diz por aqui: bitxos.
Atravessei o país até à capital de distrito mais longínqua de Lisboa: Bragança. Descentralizei e interiorizei. Como se parte do centro para o interior?
Incapaz de pestanejar, com os músculos faciais retidos no modo incrédulo, sofres um ataque de ansiedade. E assim vives em permanência.
Bragança, 24 de Junho de 2024
- Ide-vos! - ouvi ao longe…. não percebi imediatamente
- Ide-vos foder - pensei.
- Ídevos!! - Alguém me chamava.
Fiquei-me então por aqui na tentação de pensar pouco para-lá-dos-montes. Não quero ouvir falar do mal que se passa, dos males do mundo e do mundo dos Narcisos. Arranjei uma bolha que se pode desmontar, dá jeito.
A casa nunca mais fica pronta, nem em papel.
Bragança, 4 de Junho de 2024
Assento numa vida inspirando profundamente o ar da serra, olhando para os soutos e lutando contra silvas. Assento numa vida à espera de uma casa que nunca mais vem. Pinto as silvas, pinto salas, pinto quartos que não tenho, estantes que não existem, fundações que não foram escavadas, esqueletos de casas que não se avistam. Tento encaixar-me algures. Cá-nos-montes permaneço, agarro-me à terra das mouras encantadas. Como moura que sou, encantei-me e arranjei em Ídevos uma desculpa para ser: um ser que não sabe bem ser daqui, que se esforça por se integrar fazendo apontamentos esporádicos no seu diário, ou notas pontuais que ajudam a decifrar o sentido de uma deslocação. Do centro para o interior.
Lisboa, 21 de Março de 2025.
Ídevos